Selvino José Assmann, 40 anos dedicados à sala de aula

02/10/2017 08:52

A história do Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) praticamente se funde com a trajetória de um dos seus maiores contribuintes e entusiastas: o professor Selvino José Assmann. Membro do corpo docente desde 1976, ele se orgulha ao falar dos seus mais de 40 anos de trabalho na Universidade. Diz que teve muita sorte ao ingressar no curso como professor, pois a oportunidade surgiu quando voltava da Itália, após a conclusão de seu mestrado na Pontificia Università Lateranense. “Eu não conhecia Florianópolis, passei por aqui voltando do mestrado. Abri um jornal que se chamava O Estado e vi um edital de concurso para professor de Filosofia”, ele lembra. Na época, o Departamento de Filosofia oferecia apenas o curso de graduação, do qual passou a ocupar o cargo de coordenador.

Em 1980, Selvino decidiu cursar doutorado, também na Pontificia Università Lateranense. Foram três anos dedicados à história das ideias filosóficas na América Latina. Ao retornar, deu início à primeira turma do mestrado em Educação, e ao primeiro curso de especialização em Filosofia, que deu origem ao mestrado, em 1997, e ao doutorado, em 2005.

O professor fundou e coordenou o Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas – primeiro curso interdisciplinar da Universidade. A interdisciplinaridade é uma das características do trabalho de Selvino, e que ele faz questão de ressaltar, por conta da união de várias vertentes de conhecimento. “Acho que a universidade deveria desenvolver mais a abordagem supradisciplinar, e não cortar os objetos de estudos em tamanhos pedaços de especialização. É uma tentativa de voltar a reunir o conhecimento humano”, ele explica.

Atualmente era professor voluntário na pós-graduação em Filosofia e no Interdisciplinar em Ciências Humanas e se dedica às traduções do filósofo italiano Giorgio Agamben, de quem traduziu sete livros. Como tradutor ele destacava a importância dos escritores italianos. “No Brasil temos mais contato com obras em inglês, alemão ou francês e muito pouco do que é feito na Itália. Eu creio que há uma contribuição específica da Itália, porque eles têm uma grande contato com escritores alemães, ingleses e franceses.”Mesmo gostando muito de trabalhar com Filosofia, principalmente na área da Ética e da Política, o professor sempre lecionou em diversos cursos, como Enfermagem, Administração e Direito. Ele contava que nunca se sentiu muito satisfeito com a ideia de ficar somente na sua especialidade. Inclusive permaneceu no doutorado interdisciplinar até a sua aposentadoria, em 2015.

Itália

Selvino já era graduado em Filosofia quando deixou o Brasil para cursar Teologia, aos 21 anos. Os estudos foram todos custeados por uma bolsa que recebeu da Pontificia Università Lateranense. Ele lembra que no período de férias ia para a Alemanha trabalhar como operário nas fábricas. O idioma alemão, que aprendeu em casa, no interior do Rio Grande do Sul, facilitou o seu trabalho.

Ao fim da graduação, quando deixou de contar com a bolsa de estudos, passou a trabalhar como editor da edição em português do Observatório Romano e também na rádio do Vaticano. Ele explica que o jornal tinha uma edição diária em italiano, e semanalmente eram produzidas edições em outras línguas. “Eu pensei que, se não fosse trabalhar na Filosofia, iria trabalhar no Jornalismo. Inclusive, Foucault tinha uma definição deliciosa do que era ser filósofo: ‘um jornalista radical’”, ele conta.

Durante os nove anos em que viveu na Itália, de 1967 a 1976, cursou mestrado em Filosofia e Teologia, “uma fábrica de padres” em suas palavras. O trabalho de jornalista foi o que permitiu que ele permanecesse estudando.

Sala de aula

Selvino costumava dizer que se dedicou muito mais ao ensino do que à pesquisa, mesmo nunca tendo parado de exercer a função de pesquisador. Ele contava que durante muito tempo foi um professor que “sabia das coisas e dizia para o alunos” e que aos poucos foi aprendendo a escutar o que as pessoas pensam, e as resistências de cada um. Por isso, considerava o encontro na sala de aula e o trabalho de orientador como as coisas mais importantes na universidade.

O professor destacava uma passagem de Platão que diz que  “ele é um pensador menor do que Sócrates, porque Sócrates nunca escreveu nada, ou seja, o ato de pensar é precário, por isso todo texto que você escreve acaba fixando alguma coisa e de alguma forma mata o pensamento”. Muitos dos seus colegas chegam a reclamar porque ele publicava muito pouco, mas ele dizia não estar preocupado e acredita que a contribuição mais importante não é escrever um texto que muitas vezes ninguém vai ler. “Acho que na Filosofia nunca devemos ser o professor que diz ‘a verdade é esta’, mas alguém que convida as pessoas pensar e a serem mais autônomas”, ele conclui.

Muitos alunos foram surpreendidos por Selvino, principalmente na área do pensamento político, pois discordavam abertamente de suas opiniões e mesmo assim tinham boas notas. Ele explica que “muitos ficavam sem entender, mas o que eu avaliava eram os argumentos, pensar por conta própria. Isso é mais importante do que simplesmente reproduzir pensamentos”.

Professor Emérito

Sobre a solenidade em que recebeu o título de Professor Emérito, em setembro de 2016, Selvino diz o seguinte:

“Foi uma festa de reconhecimento e sobretudo de amizade. Aristóteles dizia que com amigos a gente pensa e age melhor: isso para mim é um tesouro. Não consigo separar a vida aqui dentro e a vida lá fora, tenho dificuldade em aceitar que eu sou um profissional. A gente tem que viver e fazer da vida uma unidade, sem separar o público e o privado. Acabei misturando muito, minha mulher até dizia que eu casei com a Universidade. De fato minha dedicação nesses 40,5 anos foi muito intensa.”

“Fico contente com este ‘Professor Emérito’, porque através disso se deu ênfase a que a Universidade reconhece que alguém que não ficou famoso com suas publicações seja reconhecido pelo fato de ter se dedicado diretamente ao ensino. Me incomoda que tanta gente que trabalha na pós-graduação não dê bola para a graduaçãoEu nunca concordei muito com a Constituição brasileira, que diz que a universidade se declara a indissolubilidade de pesquisa e extensão. Só que isso é entendido como se cada professor tivesse que ensinar, pesquisar e fazer extensão. A exemplo das grandes universidades, tem muita gente que só faz pesquisa e não dá aula. Porque tem gente que não sabe dar aula, pode ser muito inteligente, mas não tem paciência ou jeito. Então por que obrigar todo mundo a dar aula na graduação? Eu penso diferente nessa relação entre ensino e pesquisa. Nunca vou fazer uma pesquisa que não sirva pra mim mesmo e para o ensino.”

Giovanna Olivo/Estagiária de Jornalismo/Agecom/UFSC com algumas adaptações feitas pelo PPGICH